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Filha de Stela Almeida, funcionária pública, e do médico Raimundo Nonato Ferreira, ambos já falecidos, Tereza Cristina tem somente um irmão, Luis Antonio Almeida Pereira, turismólogo, fruto do segundo relacionamento da sua mãe, após quinze anos de separada. Tereza nasceu em Salvador, no dia 28 de dezembro de 1960, ou seja, exatamente três dias após a ceia do panetone e anterior ao brinde do champanhe – uma tríade de festas em seis dias: Natal, Aniversário, Ano Novo. Nem tudo, porém, sempre foi comemoração. "Eu tenho certeza que sou fruto de um relacionamento de muito amor entre minha mãe e meu pai, mas que não deu certo por muito tempo", comenta, sem entrar em maiores detalhes.
FREIRAS – Ela passou boa parte da infância no Prado, uma bela cidadezinha de pastos verdejantes localizada no sul da Bahia – com uma praia selvagem e pacífica ao mesmo tempo. Foi lá onde nasceu a sua mãe Stela. Por causa das dificuldades de trabalho enfrentadas pela genitora, Tereza conviveu com a sua avó durante esse período no interior do Estado. "Minha avó foi uma pessoa muito forte na minha vida e quem me ensinou tudo o que eu penso de religiosidade". Quando voltou para Salvador, a fim de residir com sua mãe, prosseguiu nos estudos e sempre em colégios de freiras. "Essa era uma preocupação da minha mãe", lembra. Estudou no colégio Nossa Senhora do Desterro e, depois, na escola Nossa Senhora Auxiliadora, onde cursou todo o segundo grau.
Ainda na adolescência, fez vestibular e ingressou no curso de direito da Universidade Federal da Bahia. "Escolhi esse curso porque viviam me dizendo que eu falava muito bem, que eu me posicionava nas discussões com os amigos e vizinhos. Na verdade, fiquei em dúvida entre jornalismo e direito, e acabei resolvendo fazer vestibular também para medicina, por causa do meu pai. Eu queria que ele sentisse orgulho de mim". Então ela prestou vestibular para direito, com segunda chamada para jornalismo, na UFBA – e tentou medicina na Católica.
Passou logo em direito e, no primeiro ano, achou o curso "um porre". Do terceiro semestre em diante, porém, se encontrou. E sabe por quê? Tereza ingressou no diretório acadêmico, tendo participação ativa nos embates ideológicos, inclusive criando o SAJU (Serviço de Assistência Judiciária). "O diretório acadêmico foi fundamental na minha vida universitária. A academia é fundamental para grandes discussões e ela sempre tem que está perto da sociedade".
Nossa entrevistada se considera uma pessoa feliz, e faz uma análise prazerosa sobre a profissão que escolheu, como se estivesse tocando uma viola ou violino: "Alcancei uma formatura naquilo que tinha e tem tudo a ver comigo, embora ache que a gente decide tudo muito cedo. Depois fui trabalhar na assistência judiciária, com uma visão voltada para aqueles que mais precisam... A minha visão sempre foi essa. E me descobri na Defensoria Pública. Hoje sou uma pessoa completamente realizada, envolvida, satisfeita, e agradeço a Deus todos os dias por ser defensora. É a atividade que me realiza como pessoa humana e como profissional".
BALANÇO – Tereza Cristina ingressou na DPE em julho de 1984, portanto, completa 25 anos de casa em meado deste ano. "Fiz o concurso porque é uma instituição que atende ao que entendo por justiça, de proporcionar ao cidadão a consciência da qual ele tem direito e de saber que eu posso ser instrumento dessa consciência". Ela nunca fez outro concurso (antes e nem depois). E nos conta que, na verdade, este concurso de 1984 foi uma seleção organizada pela OAB, Fundação Faculdade de Direito, e Procuradoria do Trabalho. "Fui selecionada e não quis mais sair, apesar de todas as intempéries e dificuldades. Ao contrário dos outros, acho que as dificuldades sempre me encantaram ao invés de me colocarem distante da DPE", dispara.
Quando nossa entrevistada se tornou defensora pública, a DPE estava sendo organizada na capital baiana. Resultado: os seis aprovados nessa seleção não atuaram fora de Salvador. Tereza diz que, por falta de oportunidade, nunca fez um júri em sua vida, porém trabalhou na Vara Distrital da Liberdade atuando no Crime, Cível e Família. Ela tem, ainda, pós-graduação em Direito Processual Civil, cursado no Instituto Calmon de Passos.
Seu currículo é invejável, afinal, foi presidente por duas vezes seguidas da ADEP-BA e, logo em seguida, assumiu a Defensoria Pública Geral. Nós pedimos, inclusive, que ela citasse cinco grandes metas alcançadas na sua gestão (2007-2008) frente à DPE. E que também enumerasse duas ou três metas importantes que pretendeu alcançar e não conseguiu nesses dois anos. A resposta foi longa.
Ei-la: "Entendo que a Defensoria só existe pela satisfação de dois fatores. O primeiro, o defensor público preenchido em suas necessidades materiais (felizmente em vias de serem parcialmente satisfeitas, ainda que haja muita luta para atingir a meta de todas: um tratamento remuneratório harmonioso com as carreiras jurídicas de ponta). De outro lado, o assistido merece desse defensor ser bem tratado, permanentemente informado do que há de melhor na técnica e nos métodos de solucionar conflitos – o melhor que o Estado lhe pode oferecer. Um depende do outro. Sem o assistido, cidadão que paga os impostos, o defensor não teria razão de existir. Sem o defensor, o assistido ficaria à deriva, sem ter quem lhe defendesse, às vezes em causas nas quais o outro lado tem a seu serviço excelentes colegas da área privada. Pensando assim, disponibilizamos notebooks, melhores e mais confortáveis instalações, com um toque de ergonomia, para evitar doenças profissionais. Portanto, nessa luta constante, os elementos que atuam em prol do colega, foram sempre o alvo do Gabinete chefiado por mim, por nós, com a participação de todos."
Ainda respondendo a pergunta do parágrafo antecedente, a defensora-geral acrescentou: "Barack Obama, em seus discursos, sempre enfatiza a palavra NÓS. As vitórias que temos alcançados são, portanto, NOSSAS. E isso porque, como Barack, também dizemos "we can". NÓS PODEMOS. E por nós, temos o trabalho desenvolvido pela Administração, pela ADEP e por TODOS os Defensores. Nesse trabalhar conjunto, podemos dizer que PUDEMOS aumentar um orçamento que era de 24 milhões de reais, para um total de R$ 55 milhões. Esse caminhar junto, num segundo mandato, tem o objetivo de conferir à dicotomia Defensorial (Defensor-Assistido), meios para ambos obterem o sucesso nas mesas de negociação, nas audiências, sempre almejando uma respeitabilidade que faça os demais operadores do Direito enxergar a voz de quem representa o carente, crendo na sua respeitabilidade, ética e habilidade".
E concluiu: "Graças a Deus, porque sem Ele não somos nada, o ano foi fechado com aplicações de todos os recursos, sem devolver um centavo. Tudo que tinha o potencial de ser devolvido aos cofres públicos foi utilizado, daí porque temos a perspectiva de um orçamento mais incrementado ainda. Honramos o compromisso de consolidação de um espaço para os defensores, o que nos deu ânimo para prosseguirmos, num segundo mandato, obtendo mais e mais para a nossa classe. Entre outras metas está a de implementar um setor de recursos humanos, com estrutura para suporte psicológico e físico, já existindo um embrião dessa iniciativa em desenvolvimento. Por fim, gostaríamos de um trabalho grandioso de mediação, visando evitar o ingresso de medidas judiciais que possam ser resolvidos com diálogo e convencimento das partes".
DIÁLOGO – A defensora-geral Tereza Cristina lembra que, antes de assumir a DPE, uma de suas críticas era a de que os seus antecessores se posicionavam distantes dos defensores públicos. "Comigo foi diferente. Sempre tive um espaço para falar com o colega, não importa quanto trabalho tivesse de realizar. Mesmo tendo encontrado uma Defensoria extremamente deficiente, precisando de tudo: de servidor, de orçamento, de condições de trabalho, nunca fechamos o gabinete para qualquer colega. Sempre atendemos a todos."
Ainda sobre esse assunto, afirmou: "Quem me conhece, sabe que eu sou uma pessoa simples e que o poder do cargo não subiu à minha cabeça. Se reeleita, estarei mais próxima ainda dos defensores, aumentando as visitas na Capital e no Interior e dialogando mais, conversando mais, para que a gente possa, na medida do possível, obter, in loco, a informação acerca das necessidades do Defensor Público e da Defensoria".
Perguntamos também a ela se ter uma equipe predominantemente do sexo feminino foi complicado para essa gestão passada. Eis a resposta: "Ao formar seu Gabinete, Barack Obama buscou não a cor da pele de quem lhe fosse assistir. Procurou as melhores capacidades, os melhores talentos, sem se incomodar se fossem estes encarnados por mulheres, homens, negros ou latinos, do próprio partido ou mesmo que tenham servido a gestão anterior. O principal cargo de sua administração está sendo ocupado pela sua mais ferrenha opositora no mesmo partido, Hillary Clinton. O que importa é servir ao defensor, dar-lhe condições de trabalho. Pavimentar os caminhos de seus serviços para que ele cumpra sua missão e o assistido tenha o melhor. As mulheres da Defensoria Pública são exponenciais na sua capacidade. Os homens também. O que importa é pinçar os melhores talentos e buscaremos sempre encontrar nos cérebros o que precisamos para as nossas necessidades".
E prosseguiu, enfática, sobre essa questão: "Por outro lado, foi interessante, sim, ter uma equipe predominantemente feminina. Agora, longe de ter só mulheres, eu trabalhei também com muitos homens, homens fantásticos e que fizeram um bom trabalho, como o meu próprio Sub-Defensor Geral, Clériston Cavalcante, que é uma pessoa que tem tudo, e que quando tem que decidir, decide. E isso é muito bom".
E a senhora vai manter a mesma equipe ou deverá fazer reformas? "Não sei. Preciso perguntar para a equipe se ela suporta trabalhar comigo (risos). Na verdade, é uma nova dinâmica, uma nova conversa. As pessoas têm seus caminhos, e eu só tenho a agradecer e ficar honrada por ter trabalhado com essa equipe de defensores".
FUTEBOL – Mudando o clima da entrevista, perguntamos qual o time do coração da nossa entrevistada. Ela gosta do Leão: "Torço pro Vitória. Já fui muitas vezes ao estádio, principalmente quando era adolescente, mais jovem. Não que hoje eu seja velha, mas eu ia muito, torcia muito pelo Vitória. Até que sofri muito por um tempo (quando era freguês do Bahia) e aí parei de freqüentar o estádio. Mas continuo fiel, querendo que o Vitória se dê bem".
Quando a gente fala da arte dos estádios, lembra também, incontinenti, de música. E a pergunta clássica desse espaço veio logo a seguir: Qual é a canção que você mais gosta e desejaria destacar nesse texto? Ela não respondeu... Tereza cantarolou: "A mão que toca o violão, se for preciso faz a guerra....".
Olha, se as pessoas em geral tivessem a mínima noção de como é delicioso tocar um instrumento – e principalmente em dia de lua cheia –, os conservatórios de música estariam mais lotados do que os bares e academias de ginástica. E esta canção escolhida por nossa entrevistada é bacana demais – em violão, piano, enfim, no instrumento que você decidir aprender a tocar. Mas, enquanto não aprende,
ouça aqui a versão nas vozes do grande Marquinhos Valle e Milton Nascimento. Acompanhe os versos poéticos abaixo:
Viola Enluarada
A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra
Mata o mundo fere a terra
A voz que canta uma canção
Se for preciso canta um hino
Louva a morte
Viola em noite enluarada
No sertão, é como espada
Esperança de vingança
O mesmo pé que dança um samba
Se preciso vai à luta
Capoeira,
Quem tem de noite a companheira
Sabe que a paz é passageira
Pra defendê-la se levanta e grita:
Eu vou !
Mão, violão, canção, espada,
E viola enluarada,
Pelo campo e cidade
Porta-Bandeira, capoeira,
Desfilando, vão cantando,
Liberdade !
Letra: Paulo Sérgio Valle
Música: Marcos Valle
Bem, agora todos perceberam que a escolha melódico-poética da defensora Tereza Cristina foi realmente determinante para inspirar a abertura desse texto. E, ademais, a estória de Diva e Marcelo nos remete ao sub-defensor geral Clériston Cavalcante, pessoa muito querida da nossa entrevistada, inclusive citado e elogiado por ela nesse texto.
Um fato que nos impressionou nessa entrevista foi a coerência, pelo menos do ponto de vista estético, nas escolhas de Tereza Cristina Almeida Ferreira. Senão vejamos: Qual seu filme inesquecível? "Infância Roubada", respondeu, sem mais devaneios. E qual o livro que lhe marcou? "Fernão Capelo Gaivota", disse ela, curto e grosso, referindo-se ao famoso romance que conquistou os adolescentes na década de 1970, e escrito pelo norte-americano Richard Bach. Conta a história de uma gaivota, chamada Fernão. Eis a sinopse: "A gaivota decide que voar não deve ser a única forma para a ave se movimentar. Fernão fica fascinado pelas acrobacias, e percebe que pode modificar e transtornar o grupo de gaivotas do seu clã. É uma história sobre liberdade, aprendizagem e amor".
O poema predileto de Tereza Cristina chama-se "O poder não me fascina, o que me fascina é o amor", do poeta e defensor público Joseph Rapold. Ela gosta também da fera Clarice Lispector (que odiava ser chamada de poetisa). A senhora bebe álcool, fuma algo? "Socialmente bebo vinho, gosto muito da casta Merlot, porque é o vinho do bate-papo, é leve. Nunca fumei, nem pretendo, e faço campanha contra". Qual o prato predileto? "Eu adoro massa, seja qual for... Eu adoro massa". Sabe cozinhar? "Não sei cozinhar, mas sou fã da gastronomia. Adoro as pessoas que cozinham".
O que a senhora gostaria de destacar no crepúsculo desse texto? "Eu só espero que as pessoas não tenham perdido de vista a minha pessoa, porque ela é a única que existe. Eu nunca quis confrontá-la com o cargo. Eu serei sempre diretamente proporcional ao meu sentimento e à minha emoção. O que eu falar será, com certeza, aquilo que eu acredito. As propostas que tenho (para um segundo mandato), não são tão simples de realizar, mas pretendo colocar em prática, se me for dada a oportunidade, de continuar esse trabalho".
E pediu: "Eu só espero que as pessoas não tenham perdido a noção de que Tereza é Tereza, não importando o cargo que ela ocupe. Serei sempre diretamente proporcional ao meu sentimento e à minha emoção. O que eu falar será, com certeza, aquilo que eu acredito. Se o conteúdo de minhas propostas parece ousado, faço-o, agora, pensando em Obama: Yes, we can... sim... nós podemos. Afinal, o que parecia impossível foi materializado, na Defensoria e na América. Temos os impensáveis notebooks... atingiremos a perspectiva de um aumento substancial, na forma constitucional de subsídio. Então, o difícil não é impossível. Mas é impossível se chegar longe se os objetivos não forem distantes".