segunda-feira, 9 de março de 2009

A posse como Defensora Pública-Geral



Fiquei muito feliz pela presença dos colegas na minha posse formal. Abaixo, transcrevo o meu discurso:

José tinha um sonho. Homem simples, queria sua casa própria. Pobre, não havia como fazer com que sua pretensão se tornasse realidade, senão tomando posse de um terreno baldio, peregrinando de loja em loja em busca de materiais mais baratos, juntando tudo que podia economizar e transformando em cimento, areia e blocos. Com uma feijoada de fim de semana, amigos se juntavam e ajudavam a erguer paredes, bater lages, criar espaços, foi erguendo sua morada até que ela, nua, com tijolos e pilastras aparentes, mais tarde rebocadas num improviso que redundou, finalmente, na concretização do tão almejado lar.

Nos últimos seis anos, temos, na Defensoria, buscado a inspiração nos josés da vida, heróis comuns que com seus trabalhos humildes e honestos. Nos josés que constituem a clientela por nós abraçada e amada, pois trabalho, sem amor, não tem significação. É trabalho automatizado, sem graça, sem criatividade, sem o vigor de um ideal.


Sob o exemplo de José, também estamos construindo um sonho. Também, desde os tempos da associação, onde exercemos a presidência, fomos arregimentando, dentro e fora da instituição, apoios, patrocínios, simpatias e presença física, nas passeatas em prol de uma DPE que efetivamente galgasse o lugar que o povo merece.


Terminávamos nossas caminhadas, nossos protestos, nossas demonstrações, com uma feijoada e como José, nossos aliados apareciam, só sorrisos, gente do fórum, Defensores, representantes do ministério público, como a hoje esposa do nosso colega Marcelo Borges.


Nossas famílias, como a minha mãe, que, sem poder andar muito assistia dentro do carro de som, como a filha e o filho de Érico, como o filhinho de Pedro Joaquim e o filhinho de Rosane, como a filha de Carmem, nos confortavam com a sua presença.

Tal e qual José, as paredes da Defensoria que temos hoje foram sofrida e gradativamente erguidas. Paredes da cidadania, abrigo dos injustiçados, esperança dos que se entendiam esquecidos.


Hoje, um Defensor Público pode, de qualquer lugar, até mesmo dentro da sala de audiências, fazer consultas de jurisprudência, receber dados de assistidos e respectivamente, dados dos seus processos, realizar consultas sobre seus andamentos, fazer petições e ter à disposição, na ponta dos dedos, os elementos essenciais para a prestação de um serviço de ponta. É o princípio da eficiência, da Constituição Federal, levado a sério.


Um Defensor Público não atuará sem ética, não ingressará com causas impossíveis, enganando tanto o seu assistido quanto fazendo seu contendor trabalhar debalde, apenas para demonstrar que a razão falta ao que se abriga sob o telhado da Defensoria. Constrói-se, assim, o respeito ao princípio da moralidade.


O Defensor pugnará por um tratamento digno ao cidadão, em qualquer lugar que esteja, como bastião do Estado diretamente compromissado com o povo, dando-lhe apoio e aconselhando-o, propiciando sua organização em entidades associativas, sem olhar para simpatias e unicamente compromissado com um serviço amplo, acessível a qualquer cidadão. É o princípio da impessoalidade, do fazer o bem sem olhar a quem, do estar à disposição do próximo, lembrando que isso ultrapassa os limites da religiosidade.


Um defensor sempre dará, ao seu trabalho, um cunho de legalidade mas, acima de tudo, lutará pelo que acha justo, à luz da Constituição e o arcabouço jurídico que com ela não se choque. É o princípio da legalidade, observado desde o primeiro contato com o assistido, na busca de seus direitos e repelindo o que não for consentâneo com a estrutura jurídica hodierna.


Um Defensor torna pública a sua indignação, deixa clara a sua visão do mundo, sociológica, científica e juridicamente falando. Um Defensor explicita suas atividades em relatórios sérios, carregados de produtividade e não precisando inventar nada, pois é pública e notória a carga de trabalho que circunda quem atue na área da justiça gratuita. É o tijolo da publicidade, da clareza, da prestação de contas do que se faz, de como se faz, para que, com o exemplo, seja beneficamente contaminada toda a sociedade com uma atitude mais correta de se levar a efeito um trabalho voltado ao povo, o mesmo povo que com seus impostos, sustenta a enorme máquina do Estado, que deve estar voltada, portanto, aos que lhe dão o motivo para existir.


Nesse grande e improvisado, por vezes mesmo cada vez mais planejado, labor em prol do ser humano, temos hoje uma noção de que não atuamos sozinhos. Sabemos que o trabalho é cada vez mais uma conjunção de esforços. Não somos nada sem a Magistratura, não somos nada sem os esforços do Ministério Público. Uma cidade para quando há uma greve dos lixeiros, quando os motoristas de ônibus se insurgem devido ao que consideram ser salários baixos.


Não andamos tranqüilos quando a Polícia deixa de prestar seus serviços. Temos medo de nos ferir, se acaso os servidores da saúde fizerem algum movimento, tênue que seja, no sentido de diminuir suas valiosíssimas atividades.


Nossos filhos sofrem imensamente, se os professores, sentindo-se injustiçados, decidirem não mais comparecer às salas de aula.


Imaginemos um universo em que tudo isso aconteça ao mesmo tempo. Aí, teremos a idéia do que é trabalhar em conjunto. Aí, teremos uma pálida noção do que significa uma sociedade realmente injusta. Aí, pararemos de pensar unicamente em nossos órgãos e daremos valor ao trabalho alheio e abraçaremos o professor, daremos boas vindas ao policial, cumprimentaremos efusivamente a enfermeira, o médico e o padioleiro. Perceberemos que a nossa atividade não é um fim em si mesma... e que podemos dar-nos as mãos em atividades conjuntas.
Iremos onde José está, para que seu sonho não seja ameaçado. Para que seu vizinho não se sinta amedrontado, para que pessoas riam e andem de cabeça erguida, não por um orgulho bobo, mas por se sentirem gente.


Compartilharemos o sonho. Lutaremos para que se torne e permaneça sendo uma realidade.
Quando Martin Luther King disse: Eu tenho um sonho... I have a dream, jamais pensou que poucas décadas depois os Estados Unidos teriam um presidente tão multirracial, tão multicultural, tão preparado, tão cosmopolita e tão incrivelmente inviável, tornando-se uma realidade.


Sejamos como José. Sejamos como Martin Luther King. Tenhamos um sonho. Nunca saberemos a que ponto chegaremos, mas teremos sempre a certeza de assentar mais um tijolo nessa construção que é o ideal de uma sociedade melhor.

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